14.8.08

Primeiro de Janeiro

Faz hoje exactamente duas semanas que o 'Primeiro de Janeiro' fechou. Fechou não, que os seus trabalhadores foram alvo de um despedimento colectivo indigno e desumano. Porque sabujos houve que se apressaram a tomar-lhe as rédeas e a acatar ordens de um patrão igualmente sabujo passando por cima dos direitos dos outros de forma a cumprir ordens superiores para colocar o jornal cá fora de novo com o menor número de meios possível. Igual a uma fábrica de confecções ou outra qualquer, portanto; fecha-se agora, abre-se daqui a bocado com menos funcionários, típico do provincianismo do patronato português.

Se nada escrevi sobre o que aconteceu no 'Janeiro' não foi por falta de consideração pela instituição e pelas pessoas – a grande maioria delas porque a algumas só me apetecia cuspir-lhes na cara – que lá resistiram até ao fim. Não o fiz porque, muito sinceramente, a minha vontade de desabafar neste blogue tem sido quase nula e porque acreditei, chamem-me ingéuno se quiserem, que durante estes dias de angústia houvesse uma luz que reacendesse a esperança de reintegrar os meus camaradas no seu lugar legítimo mercê da luta que meritoriamente travaram para chamar a atenção sobre o que estão a sofrer na pele. Infelizmente voltei a ser traído pelo meu optimismo. Já tenho idade para ter juízo e não acreditar tanto na bondade do destino mas nunca mais aprendo.

Passei cinco anos da minha vida no 'Primeiro de Janeiro'. Foi lá que comecei a trabalhar num jornal. Dia 15 de Março de 1999 entrei naquela redacção pequena de espaço, quente e até um tanto anárquica e por lá me mantive até 31 de Maio de 2004, curiosamente dia de aniversário. Não se pode dizer que tenha abandonado o 'Janeiro' porque fiquei sempre com um carinho muito especial por ele. Apesar dos defeitos (que eram muitos), da irresponsabilidade intelectual de uma minoria (suficiente para estragar o esforço de quase todos), da luta diária para colocar cá fora algo minimamente decente (mesmo com muitas correntes internas absolutamente exasperantes de tão estúpidas), guardo as melhores recordações do tempo que lá passei.

Foi no 'Janeiro' que aprendi grande parte do que sei hoje. E que fiz amigos que ainda hoje mantenho e com quem adoro recordar estórias passadas em conjunto dentro daquelas paredes e fora delas em longas noites onde se misturam copos, nostalgia, gargalhadas e muitos sorrisos de cumplicidade por um passado comum vivido em conjunto. Alguns deles, muito poucos, cabem até no restrito lote do que se pode considerar irmandade e não amizade. O 'Janeiro' tinha isso: misteriosamente conseguia criar laços de afecto entre as pessoas dificilmente desatáveis. Mesmo nos momentos mais filhos da puta. Aliás, era aí que se conseguia perceber quem era quem, quem queria o quê, quem estava ao lado de quem, quem remava para o lado da dignidade e quem preferia chafurdar o pântano da sacanice.

Por isso, na hora difícil em que recebi a notícia do fecho do 'Janeiro', acreditem que foi como se também eu tivesse sido despedido, como se a desgraça também fosse minha, como se o sofrimento me atravessasse tanto o coração como a vocês. Porque eu também fui do 'Janeiro' e tenho orgulho nisso. Bastante. E do 'Janeiro' uma vez na vida, e repito que estive lá cinco anos, do 'Janeiro' para a vida toda. Apesar de tudo: das más condições, dos salários miseráveis, da tristeza de ver o trabalho de todos pouco reconhecido. Fica a honra de ter trabalhado naquele que foi em tempos um dos melhores, senão o melhor, jornal português.

Propositadamente não falei do comportamento abjecto dos que supostamente deveriam ter estado à frente da defesa dos vossos interesses. Dos que afirmam que o carácter se demonstra nos momentos mais difíceis e que à primeira oportunidade saltam do barco e esfaqueiam nos costas quem lhes deu de comer. Dá-me nojo abordar pessoas que não passam de ratos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Foi muito bom ter-te connosco a partilhar o lanche naquele dia. E é muito bom saber que estás aí. Obrigado camarada.