25.1.08

Avó, hoje fazes 80 anos e chego à conclusão que tenho muito por te dizer.

Um dia que partas, espero que daqui a muito tempo, vou recordar a forma como olhas para mim. Com um sorriso que sem ser exuberante denuncia o carinho que tens por mim. Que só eu compreendo e só eu sei como me reconfortou ao longo destes anos. Por vezes nem precisas de dizer nada, basta olhares para mim para eu perceber que estás comigo. E nunca me vou esquecer do que me segredaste no dia em que me casei. Chorámos os dois, baixinho que somos discretos, e o beijo que me deste depois, e que te retribui, selou tudo o que não precisava de ser acrecentado. O casamento já era faz tempo, mas garanto que jamais irei apagar da memória tais palavras.

Mais do que reconhecimento do que fizeste por mim, tenho admiração por ti. E olha que se contam pelos dedos de uma mão as pessoas por quem nutro tal sentimento. Elogio-te pela forma como soubeste educar os teus cinco filhos depois de cedo teres perdido o marido – e o que eu gostaria de ter conhecido o meu avô –, como depois soubeste abraçar e cuidar dos netos sem que se te ouvisse da boca uma palavra de lamúria ou descontentamento, sequer de cansaço.

Tive a sorte e o privilégio de ser o primeiro deles. De sentir nos teus braços todo o calor do mundo, de te ouvir palavras sábias que me educavam no bom sentido da vida, de seres cúmplice das minhas traquinices de criança – que não contavas a ninguém –, de escutar os teus ralhetes naquele tom baixo mas que não precisava de mais entoação porque estava lá tudo. Soubeste, tu e o resto da família, mimar-me sem me tornar um idota inútil. Soubeste transmitir-me responsabilidade, a começar pelas coisas mais pequenas.

Nem imaginas as memórias que guardo daquela casa grande, cheia de gente, onde passei boa parte dos meus primeiros dez anos. Como eu adorava dormir lá, os teus cozinhados, brincar naquele quintal enorme, os meus amigos, a vizinhança. A escola primária, os cães, os gatos, os pássaros. E esfolar os joelhos nas árvores, arranhar as mãos naquele chão de cimento duro que me parecia veludo. A família junta, que tanto de bom me transmitiu nesses tempos e ainda hoje guardo bem guardado dentro de mim. Também não imaginas o quanto chorei sozinho quando decidiste vendê-la e tive que deixar aquele meu mundo. Ficou tudo tão diferente desde então. Só mais tarde percebi que a vida é feita de etapas e o que quiseste foi apenas encerrar uma delas. Mas ninguém me tira da cabeça que aquela casa há-de ser minha. Jurei-o no dia em que a deixei e estou longe de desistir da ideia.

De então para cá, e já se passaram vinte anos, habituei-me a sentar-me ao teu lado, muito menos vezes do que gostaria, confesso, e ouvir-te contar aquelas estórias dos tempos de África e de Lisboa. São tantas, tão fantásticas, ficam tão bem na tua boca. De partilhar contigo os altos e baixos da vida. E a continuar a saborear os pratos que te saem das mãos como se fossem obra de arte. Nunca provei um bolo de laranja tão bom como o teu. Nem nunca percebi como fazes aqueles molhos divinos.

Se nunca vou ter oportunidade de dizer o quanto gosto de ti, seja por falta de coragem – desculpa estúpida, eu sei – ou pelo que for, que fique aqui claro que o que nutro por ti é Amor. Assim, com letra maiúscula. Por muito tempo que viva, nada, mesmo nada, será suficiente para te expressar a gratidão e honra que tenho por ser teu neto.

Confesso que me caíram pelo rosto algumas lágrimas enquanto escrevi isto. Foram de saudade. Do passado e, principalmente, do futuro. Que ainda quero ver o teu sorriso muitas mais vezes.

6 comentários:

rute disse...

Finalmente, apresentas-me à avó de quem tantas vezes me falaste, sobretudo por ser minha vizinha da Vilarinha. Muito prazer. Gostei muito de a conhecer.

Natacha disse...

Lindo. Obrigada, lembrei-me da minha vovó, de quem tenho muitas saudades. E ela também fazia um delicioso bolo de laranja.
Agora com licença, vou limpar a cara...

Anónimo disse...

Estúpido!

Fizeste-me chorar!...digo..derramar uma pequena lágrima...muito pequena mesmo. Ou nao...

Tá muito bonito.
E mais nao digo.

Beijinhos

Maria Soledade disse...

Que dizer da tua Avó?
Que dizer da MINHA MÃE?
São perguntas que ficam sem resposta, talvez perdidas na cumplicidade do vosso silêncio!...

Tenta recuperar a "nossa" casa Pedro, que emanava tanto calor humano e onde fomos tão felizes todos juntos!Tenta tu, porque o meu sonho de a reconquistar perdeu-se nos anos que teimosamente passaram sem me deixar margem de transformar o meu sonho em realidade...

Obrigada por teres sido capaz de dizer à tua Avó, tudo aquilo que eu gostaría de dizer à MINHA MÃE e não consigo!
Vá-se lá perceber porquê?!...

Agora...vou enxugar as lágrimas que me obrigaste a verter!...

Adoro-te miúdo
Beijinhos

Pedro Emanuel Santos disse...

Caramba, tanta lágrima vertida por minha causa. Não era para tanto. Saiu de cá de dentro, bem de dentro, apenas isso.

PS: Joana, voltas a chamar-me estúpido e lanço o teu gato para uma estrada cheia de movimento. Onde está o respeitinho pelo primo mais velho e, além do mais, padrinho? Desnaturado, eu sei, mas padrinho. Bricandeira, jamais seria capaz de fazer mal ao Lucas. A não ser que ele se atire a mim quando estiver com o cio. Ou ao Mateus, que o meu gato é muito macho. Quer dizer, enrosca-se na minha roupa como um tarado, mas prefiro acreditar que é apenas mimo.

Beijinhos e abraços

rute disse...

Eu não verti lágrimas, nem águas. Sou uma insensível, eu sei. Uma bisbilhoteira que só anda por estas bandas para saber vidas.